«Testemunho do estético» é um espaço dedicado às categorias estéticas da vida ou, como diria Valéry, àquilo que "se destaca da desordem comum do conjunto das coisas sensíveis". Visa, sobretudo, dar testemunho daquilo que está em movimento de de-formação, provocando um sobressalto simultaneamente íntimo e público. O valor estético, que toca igualmente o sensível e o secreto, convida a um outro modo de presença cívica.
quarta-feira, março 25, 2009
Espólio de Vilém Flusser perdido?
No passado dia 3 de Março, o Arquivo Municipal de Colónia ruiu. Numa cidade como Colónia, um acidente destes atinge proporções calamitosas para a cultura europeia: estavam lá, por exemplo, a colecção medieval de Ferdinand Wallraf, originais de Hegel e Marx, os espólios de Günter Wand, o último maestro culto da Alemanha, assim como de Heinrich Böll. Há muito que a Alemanha era uma sombra de si mesma. E um pouco mais sombra ficou. Por nossa parte, também mais pobres como europeus ficamos.
Entre tantos documentos perdidos, há um conjunto que queremos aqui destacar pela sua singularidade e importância: o espólio de Vilém Flusser. Não sabíamos que se encontrava reunido no Arquivo de Colónia. Possivelmente, não todo, já que o percurso de Flusser o conduziu a muitos lugares.
Quem era Vilém Flusser? Nascido em Praga, em 1920, na jovem República Checoslovaca, de origem judaica e detentor dessa riquíssima curiosidade intelectual e multilinguística que nos deu alguns dos grandes espíritos da mitteleuropa, Flusser exila-se no Brasil, em 1940, juntamente com a sua esposa Edith. Aí viverá 30 anos, dando aulas na Universidade, escrevendo em jornais e revistas brasileiras de Filosofia. Aí publicará alguns livros de extrema originalidade, directamente escritos em português. Em 1963, publica, na Herder de S. Paulo, Língua e Realidade, um fascinante estudo sobre estruturas das línguas, ontologia e cultura (agradeço a Rafael Gomes Filipe ter-me feito chegar um tão raro e magnífico texto). Publicará aí, igualmente, Da religiosidade: a literatura e o senso de realidade.
Regressado à Europa em 1972, virá a publicar, entre muitos outros títulos, Für eine Philosophie der Fotografie, de que existe versão portuguesa do próprio Flusser. Esse estudo retoma a questão da fotografia a partir de um ponto de vista que era característico de Flusser: simultaneamente, técnica e história do ser são examinados a partir de uma filosofia parcialmente ainda por escrever. É uma história de naufrágio dos meios, das aprendizagens do olhar e do enigma das técnicas configurado na expressão "caixa preta" que dá título à versão portuguesa. De um modo sucinto e poderoso, escreve Flusser: «A função das imagens técnicas é a de emancipar a sociedade da necessidade de pensar conceptualmente. As imagens técnicas devem substituir a consciência histórica por uma consciência mágica de segunda ordem. Substituir a a capacidade conceptual por uma capacidade imaginativa de segunda ordem. E é neste sentido que as imagens técnicas tendem a eliminar os textos. Com essa finalidade é que foram inventadas. Os textos haviam sido inventados no II milénio a. C., a fim de "desmagiciarem" as imagens. As fotografias forma inventadas no séc. XIX, a fim de "remagiciarem" os textos.» in Filosofia da Caixa Preta, p. 12.
Esta obra dá-nos a ler um pensamento aventuroso em tempo de catástrofe. As catástrofes conjugadas da cultura da mitteleuropa e da condição judaica. As aventuras conjugadas da errância, do fulgor do espírito, da insubordinação dos saberes.
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1 comentário:
Não sei se havia ainda algum material do Flusser em Colônia. O Vilém Flusser Archiv, que ficava em Colônia, mudou-se para Berlim já há vários meses. Você pode ver o site do Vilém Flusser Archiv aqui:
http://www.flusser-archive.org/
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