segunda-feira, fevereiro 01, 2010

O Amor romântico



No próximo número da NADA, a sair ainda este mês, publico uma entrevista com Olivier Schefer, cujo trabalho, em torno do Romantismo alemão e de Novalis em particular, marca uma renovação na nossa ideia do período romântico. De tantos lugares comuns, empobrecimentos e simplificações, o do amor romântico é provavelmente aquele que mais se vulgarizou. Não falámos, aí, dele. Excepto naquilo que dele diz a relação (a leitura) de Novalis e Sophie von Kuhn, tão paradigmática, tão mal compreendida.

Do amor romântico podemos, contudo, vislumbrar elementos vivos, elementos abertos nas nossas próprias vidas, que não são epocais, que não se escrevem num género, mas que têm, certamente, uma língua. Saber que língua é essa é já penetrar o segredo do amor romântico. Mais do que isso, é estar dentro do acontecimento amoroso como uma língua, que é, aí, o que define o amor. Que língua é esta, tão espartilhada entre corpo e espírito, entre o que passa e o que fica? Será, precisamente, uma fugacidade que fica. Será um nada que se faz tudo. Uma sombra que acede à totalidade.

O amor romântico conduz o idealismo ao paradoxo, conduz-nos a uma reversibilidade das asserções que é, no fim de contas, a reversibilidade do corpo amoroso. A esta conduzem processos de significação e de obscurecimento que são todo o oposto da clarificação que a cultura amorosa moderna veio estabelecer. O corpo amoroso romântico não se clarifica, não se define, precisamente porque nele há uma linguagem que continua sempre para além do desligamento dos corpos. O amor romântico será, então, essa língua que desterritorializa os corpos, ao mesmo tempo que corporifica os traços do desejo; que produz um corpo andante, um quase duplo dos amantes. Ao amor andante os corpos vêm juntar-se, o que significa que o amor romântico vive na elaboração e na cultura de um fantasma, num sentido decididamente não-freudiano. O fantasma é, nesta acepção, aquele que permite aos amantes o amplexo amoroso em toda e qualquer circunstância.

O fantasma é, aqui, um ser mais livre do que um espírito preso num corpo individual. É um ser que faz vibrar o espaço entre os amantes, que se distende no afastamento destes, para logo se contrair e densificar na aproximação deles. Através dele, o amor define-se como irradiação infinita dos corpos que se amam. Não é tanto a presença ou a ausência que define a relação amorosa com o outro, mas o facto dessa presença nunca deixar de projectar um horizonte de ausência, ao mesmo tempo que a ausência nunca deixa de ser uma experiência da presença. A experiência da Beleza determina, não uma geografia do coração, mas uma química, uma liquefacção que alastra. Daí que Keats tenha podido escrever a Fanny Brawne, em carta de 8 de Julho de 1819: «Indeed I am almost astonished that any absent one should have that luxurious power over my senses which I feel. Even when I am not thinking of you I receive your influence and a tenderer nature steeling upon me. All my thoughts, my unhappiest days and nights have I find not at all cured me of my love of Beauty, but made it so intense that I am miserable that you are not with me».

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