quarta-feira, novembro 10, 2004

O sentido das coisas

Testemunho do estetico

No mundo, tal como o experimentamos hoje, as coisas que têm uma memória própria tornaram-se inquietantes. O incómodo que provocam não deriva daquilo que tenham para nos dizer, já que a nossa indiferença se tem vindo a aprofundar. As coisas-memória inquietam porque lembram o mundo que habitámos. O mundo era esse império do sentido que Nietzsche declarou moribundo. Ora, um destes dias, ele morreu sem que nada de estranho ocorresse. Perder um mundo é, nesta admirável era virtual, o menor dos acidentes. O mundo era já, para os modernos, fonte de uma estranheza demasiado ancestral, demasiado originária, o que sublinhava o constante recuo do seu horizonte. Perante esse horizonte longínquo, éramos como crianças perdidas numa casa de gigantes: a inadequação da identidade humana, a sua menoridade perante a habitação levou-nos à recusa do ser, à recusa das exigências que a identidade nos lançava continuamente.
Sentimo-nos melhor num mundo que seja um nada disponível, que tenha um circuito que possa ser desligado, ou deslocado, ou colocado online. Esta situação conforta-nos na inocência do mundo onde o esquecimento é o fluxo mais incessante. Julgamo-nos inocentes. Contudo somos apenas irrelevantes perante aquele resto do mundo que teimou em permanecer algures: o real.