sábado, julho 25, 2009

Jan Patočka (1907–1977)


Na vida «real», alguns (poucos) amigos e amigas falam-me do que lêem neste blogue. Naturalmente, surgiu a questão sobre Patočka: «quem era? O que fez? O que disse sobre a Europa? Como pensou (enquanto europeu)?»

Como, hoje, é um pouco inútil repetir certos dados bio-bibliográficos que estão geralmente disponíveis online, dispenso-me de me alargar nesse domínio. Bastará dizer que Patočka foi aluno de Husserl e de Heidegger em Friburgo, nos anos 30. A partir daí, a sua contribuição para a construção de uma perspectiva fenomenológica nos domínios da cultura e das artes, da teoria da civilização e da política, foi enorme e encontra-se ainda relativamente mal estudada.

As últimas duas décadas da vida de Patočka são bem conhecidas, sobretudo aqueles anos finais em que, proibido de leccionar na Universidade, organiza cursos e conferências no seu pequeno apartamento em Praga. Funda, juntamente com outros, a Carta 77. Virá a morrer de ataque cardíaco, em 13 de Março de 1977, durante (mais) um interrogatório policial.

Mais do que a sua morte trágica e absurda, é esse exercício da filosofia como percurso na vida (em sentido quotidiano e essencial) que sempre me atraiu para o pensamento de Patočka. É, hoje, para muitos de nós, difícil imaginar as condições de vida no Leste europeu. Aquelas de um filósofo, mas, sobretudo, de um cidadão para quem o pensamento era sempre o desafio vivido em todas as horas. Mais do que as condições de vida, estamos aqui perante a questão das condições de pensamento. O dissidente nesse mundo hoje desaparecido era um ser que procurava, necessariamente, alternativas profundas e criativas ao maniqueísmo político e cultural que o rodeava. A questão do ser europeu pode, em minha opinião, ser melhor compreendida quando perspectivada nessa circunstância que era a de Patočka. Evidentemente, esse pensamento não se esgotou nessa especificidade histórica, na medida em que ele funciona, também, como um indicador da especificidade histórica que é a nossa, hoje.

Mas aquilo que é específico no nosso tempo parece ter a ver com efeitos de «distracção» sistematizados e sustentados por dispositivos omnipresentes. Estes enquadram as nossas vidas numa aesthesis do preenchimento (das vidas, das significações, dos acontecimentos). Vivemos em pleno efeito da atenção desdobrada e das esferas de experiência desdobradas. Tudo aqui se parece opor à vida na Checoslováquia dos anos soviéticos: escassez material e energética, escassez audiovisual e mediática, escassez do discurso público. Significa isso que a escassez e o totalitarismo favorecem o pensamento filosófico? Penso que dizê-lo seria colocar mal o problema. Patočka situa esta questão ao nível do que ele chama o «cuidado da alma», expressão que aqui deve ser reenviada ao próprio pensamento platónico. Traduzo uma passagem dos seus Ensaios Heréticos:

«O Homem é justo e verídico na medida em que tenha a preocupação da alma. A herança da filosofia clássica grega é o cuidado da alma. Ele significa: a verdade não é dada uma vez por todas; ela também não é a simples questão da contemplação e da apropriação pelo pensamento, mas consiste antes na praxis da vida intelectual, já que quem a vive sonda-se, controla-se e unifica-se a si mesmo. No pensamento grego, o cuidado da alma foi afinado segundo duas formas: cuidamos da alma para que ela possa, numa pureza absoluta, e através de um olhar não perturbado, caminhar espiritualmente através do mundo, através da eternidade do cosmos e, por aí, atingir, por um breve instante que seja, o modo existencial que é próprio dos deuses» (in Essais Hérétiques, Verdier, 1981, p. 92).