sábado, junho 13, 2009

A Europa e a vida com sentido


Há alguns dias, ocorreram eleições "europeias". Em Portugal, tudo se passou como todos previam: na indiferença geral, na petite histoire. Enfim, pequena política e menor pensamento de todos os envolvidos. A indiferença não nos deveria espantar, já que ela decorre da ignorância profunda que caracteriza os actores políticos em Portugal. Ignorância do sentido de decência, mas também ignorância do que seja uma vida com sentido. Este tipo de ignorância, que nunca vemos referida, é a mais destrutiva de todas, já que entrega a polis à economia e aos tradding affairs.

Que a Europa não faz sentido para a maioria dos portugueses, sentido que não seja alimentar ou mirífico, é evidente. Num país onde o debate (?) político está no seu nível mais baixo, onde a qualidade intelectual, linguística e humana dos intervenientes é indescritível, o sentido da Europa seria sempre a menor das preocupações levantadas. Note-se que o sentido de que falo possui vários planos, que necessariamente se articulariam em qualquer argumentação estruturada: em primeiro lugar, a própria ideia de Europa, já que a herança europeia depende mais das ideias do que de supostas "realidades" territoriais ou estratégicas; em segundo lugar, o plano desta Comunidade Europeia, que existe mas que não sabe muito bem o que fazer dessa sua existência num mundo onde as linhas de sentido não revelam um desenho claro. Não se pede aos actores da política europeia, nem aos eleitores portugueses, que tenham lido Jan Patočka ou Hans-Georg Gadamer, para citar apenas dois autores que, sendo pensadores europeus, por isso mesmo pensaram a Europa. Mas pede-se, pelo menos, a vaga noção de que a Europa é uma ideia e não uma entidade orgânica.

Patočka foi um dos muitos espíritos que perceberam que no coração da ideia de Europa reside a palavra "crise". Que a Europa não vive "crises" pela simples razão de ela se encontrar já fundada numa territorialidade da Krisis (a crise, em sentido grego). Neste sentido, a crise europeia não é apenas um produto dos eventos históricos, mas a própria matriz do que significa "evento" para os europeus. A sucessão das ruínas é o verdadeiro marcador da história europeia: a Europa nasce da ruína da pax romana, do mesmo modo que esta nascera da ruína da polis grega. A radicalidade da ideia de Europa reside, ao invés de outras regiões imperiais do mundo, na sua finitude.

É a radical finitude europeia que define as melhores ideias dos europeus: no plano filosófico, no estético, no político-social, nos costumes. O motivo heideggeriano do Sein zum Tode pode aqui ser evocado se nele virmos, não os equívocos tenebrosos das piores horas europeias, mas a marca de povos que têm sempre debaixo dos olhos o mundo finito que os define. A finitude tem hoje mais um nome, que deve ser entendido na linha espiritual de que um Patočka fala: esse nome é ecologia e deveria ser retirado às forças tecnocráticas que dele se apropriam hoje.