segunda-feira, outubro 19, 2009

Imagens de camponeses


Recentemente, assisti na Cinemateca, e quase por acaso, a uma sessão singular que me deixou uma marca indelével: alguns filmes, realizados entre os anos 50 e a actualidade, por pessoas oriundas do campesinato da Padania.
É-me difícil descrever o impacto daquelas imagens, na sua maioria filmadas em Super 8, em condições muito precárias e escassíssimos meios. O mais recente deles, já realizado em 2008 com outros recursos, mas conservando o olhar «amador» deles todos, intitula-se Il Colore della Bassa, realizado, como todos eles, por Giuseppe Morandi e alguns dos seus companheiros. Encontrei dois deles na sessão da Cinemateca. Sabendo que a instituição não se dedica a este tipo de «marginalidade» cinematográfica, fiquei algo intrigado até que ouvi uma referência à Casa da Achada, o novo centro cultural ligado à Associação Mário Dionísio.
Tendo embora admirado a força de muitas das imagens, a sua crueza, a sua proximidade à experiência da terra, não posso deixar de referir o entusiasmo e a revolta expressa nas palavras de Morandi nessa ocasião: pude, então, relembrar algumas das questões que fundamentaram a minhas opções dos vinte anos: a insustentabilidade e o vazio das sociedades divorciadas do seu mundo camponês; a destruição da ciclicidade da experiência; a alienação pela técnica; a in-verdade das opções de vida do mundo ocidental, que transforma a ruralidade em no man's land; a destruição industrial do mundo animal e vegetal, aos quais são recusadas qualquer percepção da sua dignidade viva.
As imagens são aí de uma grande violência, mas também beleza, quase até à asfixia. Particularmente aquelas que retratam a industrialização da morte animal. Deixo aqui a minha saudação a Morandi e aos seus amigos: ver homens que foram camponeses e que, já não podendo sê-lo hoje, ainda assim rejeitam a condição urbana, a condição automóvel, a condição televisiva: no fundo, os instrumentos banais e quotidianos de uma vida sem sentido no mundo pós-industrial. Que diferença em relação à indiferença que encontro em Portugal perante o mundo rural, hoje totalmente destruído ou transformado em motivo de humor mediático! Ou utilizado, à direita e à esquerda, como caricatural referência eleitoral. Ou, o que ainda é pior, utilizado para concretizar a industrialização agrícola, que faz da terra infraestrutura do vazio colectivo.
Deixo a sinopse italiana deste último filme: La trasformazione dell’agricoltura nella Bassa padana, dagli anni Cinquanta a oggi. Cambiamento del paesaggio, delle coltivazioni e avvento della monocultura e degli allevamenti intensivi degli animali. L’immigrazione dai paesi del sud del mondo e dai paesi asiatici che sostituiscono i “paisan”(lavoratori della terra) e i “bergamini” (mungitori di vacche). Le nuove catene dell’industria alimentare, dall’allevamento alla macellazione e alla lavorazione dei prodotti alimentari.