terça-feira, janeiro 11, 2011

O Tempo, por fora, dentro




Sabia, desde logo, que o tempo é diferente quando estou aqui fora à tua espera. Mas sabê-lo não difere da ignorância presa ao nosso problema, à sua massa de metal líquido que vai descendo por tudo o que é uma expectativa razoável, viva, palpitante e mortal. Diante do tempo que se vai desenrolar, há um ano ainda, podia evocar a ignorância do que estaria por vir, como se tivesse ensaiado toda a vida a minha espera ("minha" é um sinal de ruína). Contudo, aquilo por que estava a começar a esperar não pudera vir dizer-me que era o meu destino, que o meu destino seria esperar um começo anterior ao que me impelia para ali, para a espera, para uma situação onde a catástrofe seria o fim esperado não vir mas fazer-se anunciar pelo tempo. Se, aqui dentro, só vier o tempo? "Não faças a pergunta", parecias dizer-me, "deixa o tempo falar". Mas o tempo anunciava-se já no limiar do que prometia acontecer e, subitamente, ficava ali rígido, como num ataque de paralisia, medonho no seu esgar, à beira do mundo, todo ele e não apenas o que ficara prometido.

Quando estou aqui, o tempo é já espaço, terrível afirmação do espaço porque é vivido na separação. Examina comigo esta separação: que te diz ela, tão cheia de enganos a desdobrarem-se e a fazer-nos esquecer que o engano não é causa nem finalidade? A separação engana-nos porque chapinha no lamaçal do espaço. Engana-nos a nós que olhamos, já com o olhar vítreo, para a linha refractada do que nos parece ser o tempo, quando os dias começam a pôr-se mais cedo em Janeiro.Quando os dias deixam de ser tão curtos, parece-nos que saímos de uma sala singularmente baixa, singularmente asfixiante. Era uma sala de "espera" na sua singularidade afectuosa, mortal para quem se confiasse a ela, benfeitora para aqueles que sabem ser o espaço o único plano que os retira a uma esperança desesperada nos efeitos do curso do tempo. Estou aqui, nesta espera, porque não me é possível acreditar que os dias estão a ficar maiores, embora veja as horas a todo o momento, e que atrás desse efeito atmosférico venha um dia a floração e o fim das chuvas. Estou à espera que o tempo deixe de ser o espaço daquilo que quero fazer-te na cama.

Jogas, como malabarista, com as coisas do tempo em que te espero. Se fossem verdadeiramente coisas do tempo - e não do espaço, como na verdade são -, elas desfaziam-se no momento em que lhes tocasses. Desfazia-se o sinal assustador de que a espera era vã e ficava, ali, desfeita, a nossa separação, como cristal lançado de encontro às paredes acobreadas do espaço. Não digo que usas de malícia comigo, porque isso seria anuir que te espero no tempo. Mas usas um simulacro da "nossa vida" para me mostrares que, apesar do tempo que demoras, há dias que respiram mais, que nos dão de beber, que prometem o ar salino dos grandes espaços. O tempo que dizes necessário é já o espaço inútil desta sala de espera, desta sala da qual não há saída, onde o tempo só passa na medida em que a esperança da nossa reunião tem a forma de um grande animal que dela tudo expulsa. Nesta sala para onde nos atirou a espera, a esperança só pode aparecer como um ser eriçado, feixe de nervos, calor maior do que o medo. Que queres fazer de mim sem uma metalurgia dos sentidos?

1 comentário:

Paulo Cunha Porto disse...

Meu Caro Jorge,
não Te conhecia este tom de lirismo...
Muito bom, como o Resto.
Iniciei uma nova aventura blogosférica em
jovensdorestelo.blogspot.com

Abraço